O SUCEDÂNEO DA RELIGIÃO
Assistimos hoje a um intento de transformar a vida racional em imagens, sentimentos e emoções. Passaram já muitos anos que o intentaram os pioneiros do sensismo, [45] mas hoje, parece que volta a explodir com mais força que nunca pelos interesses dos que têm muito e pela desesperação dos que não têm nada. Não obstante, a razão volta a sentar-se nos nossos lares com a sensatez de uma anciã ainda também com a sua debilidade. E hoje se adora com força dos búfalos. Mas cada um antes ou depois escuta as palavras de essa anciã chamada razão e que nunca nos abandona ainda que digamos que por fim morreu. Esta é a odiada e amada encruzilhada das nossas vidas.
Em dias passados, depois do sorteio da Lotaria Nacional de Espanha do Natal, me inteirei pelos meios de comunicação social, que uma «médium» (?) adivinhou o número do primeiro premio e que a Administração de Lotarias correspondente o havia conseguido decorando o estabelecimento ao melhor estilo dos santeiros das Antilhas, «altar», profusão de imagens, velas, etc. (O ministério das Finanças não teve nada que dizer, não obstante não ter privatizado ainda o serviço). Ante tudo, não há «médium» que valha. Estes eram (já passou a moda), mulheres, creio que nunca homens, que no que chamam «transe», hipnótico ou melhor, histérico-epileptoide, espontâneo ou fingido, diziam comunicar-se com os espíritos dos mortos, dispostos a responder às perguntas, banais ou mórbidas do auditório.
A evocação dos mortos deve ser tão antiga como o homem. Lembrem-se do que narra a Bíblia sobre o rei Saul, que obrigou uma pitonisa a suscitar o espírito de Samuel. Na sua versão moderna, se deve o seu rebrote às irmãs Fox, com os seus contos do ectoplasma, os «raps» (golpes secos), os veladores giratórios ou que levitavam, etc.
O que se passou no passado dia 22 de Dezembro em Espanha, não é coisa de «médium», senão de «vidente»; ainda que é evidente, (valha o jogo de palavras) que a mesma não tinha demasiada confiança nos seus dons se não jogava no número premiado . Outra coisa é que a publicidade sobrevinda haja feito multiplicar a sua clientela.
Também existe a adivinha «a posteriori» , ou seja, anunciar a «profecia» quando já teve lugar o objectivo perseguido. Há uma frase clássica, latina, que fala do «horror ao vazio». E a física antiga ensinava que «a natureza tem horror ao vazio».
Isto passa também noutros âmbitos entre eles o da Religião, que não pode ser substituída pela Ciência ou a tecnologia e assim se produziu «o retorno dos bruxos»
Dizia Goethe que no cérebro humano há um alvéolo onde se aloja o sentimento ou pensamento religioso. Quando este desaparece, passa a ser substituído, continua dizendo pela mais grosseira superstição.
Em Portugal também avançamos nisto; desde a Boaventura das ciganas e a que deita as cartas, de ambientes marginais, chegamos ás «consultas» em Internet e canais da TV. Mas não foi da noite para o dia. Não senhor. O primeiro sinal se produziu em meados da década de 70, com a aparição em jornais e revistas dos horríveis horóscopos, com verdadeiro furor; chegou-se a dizer que a secção dos mesmos era a única comum a todos os jornais. Opino que não seria de mais que os jornais prescindissem também dos poucos anúncios das actividades que petulantemente se auto denominam parapsicólogos e que em realidade são meras superstições com nomes pseudo-científicos, (futurologia, astrologia) e directamente tarot. E isto, não porque contrariem o primeiro mandamento da Lei de Deus (outros dirão das velhas tábuas de Moisés), senão pelos motivos mais pedestres: publicidade enganosa. Ou simplesmente exploração da estupidez.[46]